domingo, fevereiro 13, 2011

ULISSES E A MENINA DO VESTIDO FLORIDO


Texto de Raphael Vieira, autor do blog Sanidade contida e serenamente cultivada, escrito especialmente para O avesso da indecisão.



Camila era uma menina doce e carismática. Desde pequena cativava as pessoas e protagonizava estórias interessantes.

Conta a lenda que, quando ela tinha 4 anos, cismou que queria ter dois aniversários. A mãe tentou corrigi-la, falando que todo mundo só tinha um aniversário e que aniversário era comemorado no dia em que a
pessoa nasceu e somente nesta data.

Ela não se conformava e bateu tanto o pé que queria ter dois aniversários que a mãe cedeu e deixou ela escolher outra data. Pensou que a menina logo iria se esquecer daquela ideia. Claro que isso não
aconteceu. Na tal data, a menina exigiu comemoração e os pais acharam que não haveria nenhum mal em satisfazer aquele capricho de sua única e precisosa filha.

Foi assim que ela chegou aos seis anos na escola se apresentando aos novos colegas:
- Meu nome é Camila, tenho dois aniversários e adoro esse meu vestido florido.

Para Ulisses, um de seus coleguinhas, foi como se aprendesse subitamente o significado de "paixão à primeira vista". O garotinho negro com um cabelo grande, quase "black power", ficou encantado com
aquela menina branquinha que tinha tantas coisas especiais.

Quando chegou em casa, Ulisses foi bombardeado de perguntas pela mãe:
"Como foi o primeiro dia na escola?"; "Comeu todo o lanche?"; "Gostou de estudar?". Mas nenhuma provocou uma resposta interessante como esta:

- Conheceu muitos amiguinhos, filho?
- Amiguinhos não, mamãe. Mas conheci a minha namorada.
- Ah, é? E como é o nome dela?
- Camila, a menina do vestido florido.

A mãe riu do interesse precoce do seu garotinho nessas coisas do coração e nem deu muita importância.

Como Ulisses não tinha muita experiência em conquistas amorosas, não soube como fisgar Camila. Ficaram apenas amigos, para ela.
Os dois cresceram e a vida deu a cada um destinos diferentes. Até que um dia os dois se esbarraram num aeroporto:

- Oi. Você não é o Ulisses?
- Sou sim. A gente se conhece?
- Bom, eu sou a Camila. A gente estudou junto até a quinta série. Eu tinha vários vestidos floridos... E até hoje eu adoro me vestir assim. Olha só, estou usando um agora! Lembrou-se de mim?
- Camila? Claro que me lembro! Mas você mudou bastante. Está ainda mais bonita...
- Obrigada! Você não mudou nada. Por isso foi fácil te reconhecer...
- Você está viajando a passeio ou a trabalho?
- Estou indo para a Africa como enfermeira voluntária. É o meu sonho... E você?
- Estou indo para o lançamento do meu livro em Porto Alegre.
- Você virou escritor? Que bacana!
- É... Escrevo livros infantis.
- E qual é o nome deste que você está lançando?
- Eh... Chama-se "A menina do vestido florido".

Camila corou por um instante. Coincidência? Não sabia o que pensar. Será que aquele livro tinha histórias inspiradas em sua infância? Seus pensamentos foram interrompidos por uma voz feminina:

- Oi, amor, aqui está o seu café.
- Camila, quero que conheça a minha esposa Lídia.

Lídia era uma moça encantadora. Tinha um jeito de menina, um sorriso encantador. Ulisses e ela formavam um belo casal.

- Prazer!
- Bom, infelizmente temos que ir para o nosso portão de embarque, mas foi muito bom te reencontrar aqui, Camila.
- Ah, eu também adorei, Ulisses. Boa sorte pra você com seu livro!
- Obrigado! Bom, até um dia, quem sabe...

E Camila ficou observando aquele par se afastar no corredor lotado do aeroporto: um negro muito bonito com seu cabelo quase "black power" abraçado a uma mulher de vestido florido e jeito de menina.