domingo, maio 06, 2012

ESPELHO, ESPELHO MEU...


Meu amigo namora a minha versão adolescente. Imatura, dividida entre um relacionamento sério e a vida social que desponta. Influenciável pelo momento e pelas pessoas ao seu redor. Parecida com mais alguém? Talvez com muita gente, pois a imaturidade não é sobrenatural nem exclusiva de uma parcela da humanidade. 
Vejo a moça perdida na necessidade de seguir o rebanho e abraçar o mundo novo. E ele permanece firme, acreditando que é uma fase. “Vai passar”. E passa, com certeza. Só não se sabe é por quanto tempo dura e o que mais passará até que a fase passe.

Segurei um impulso de escandalizar com a moça, tentar mostrar que ela faz sofrer quem diz amar; que seus choros diários podem cessar se seguir os meus pretensiosos e nada singelos conselhos. Gritar no ouvido dela e estapeá-la pra ver se percebe que mais tarde pode ser tarde demais.

Então percebi que embora eu queira proteger ambos, minha maior insatisfação era comigo mesma, de frente a um espelho do passado.
Lembrei-me de quando era pouco mais nova que ela, e um parente com algumas rugas na face veio me advertir desesperadamente sobre os equívocos que ele julgava que eu estava cometendo. Escutei e respondi em alto e bom som: “deixe que eu faça minhas próprias escolhas, que cometa meus próprios erros; você decidiu e não significa que o que aconteceu com você se repetirá comigo, eu não sou você.”.

Cometer os próprios erros é necessário. Ou os próprios equívocos, como dizem. A experiência do outro não deve determinar o caminho a seguir, mas proporcionar reflexão sobre as escolhas existentes e as possíveis conseqüências. Possíveis, não exatas.
Ao me ver refletida neste espelho comecei, não sem esforço, compreender e perdoar a adolescente imatura do meu passado, que tentando acertar causou algumas dores. Especialmente a si mesma. 
E embora seja um drama ver a moça decidir por caminhos que podem lhe pedir curativos, percebo que foram essas escolhas que me proporcionaram o aprendizado que tive. Também porque entendi que não dá para pular etapas na vida e que a maturidade é construída, torço que ela aprenda tanto quanto eu.

segunda-feira, abril 23, 2012

NÃO MAIS


Eu sempre me achei uma pessoa livre de rancores e mágoas. Tinha orgulho de dizer que não guardo nada pra depois, esclareço na hora e tudo fica bem -- ou não fica mais, por ter acabado ali. 
Recentemente descobri que a minha verdade era quase 100% certa. Quase. E a parte que faltava pra ser completa pesava mais do que o restante.
Guardei mágoas. Por horas, por dias, algumas até por anos. Segurei em mim a carga emocional da insatisfação, que sofreu mutação no decorrer do tempo, se transformando numa massa pesada sobre os ombros. Deve ser por isso que tenho uma pequena inclinação a ser corrigida, justamente nesta parte do corpo.


Liberar o que se acumulou por tempos não é simples, nem fácil. Requer uma dedicação e vontade de lidar com minhas próprias emoções, que às vezes penso ultrapassar minha capacidade. Mas aí percebo como me sinto melhor ao colocar pra fora essa massa doente, e fico mais animada.


Hoje eu tirei uma massinha do meu ombro. Esmurrei a hipocrisia de uma frase que não tolero mais. E vomitei o que não engoli aquele dia. Aqueles dias. E não engulo. Não mais.  

domingo, março 18, 2012

SOBRE AMOR E PÉS


Recentemente decidi por recomeçar a leitura do livro O corpo tem suas razões, de Thérèse Bertherat, que havia pausado no final do ano anterior por conta das razões que busco para não entender meu próprio corpo. E então cheguei novamente ao capítulo em que a autora relata a trágica morte de seu marido. Parei no momento em que ela entra no quarto do hospital que o esposo se encontra após cirurgia e relata: “agora ele está numa cama. Seus pés saem para fora do lençol. Cubro-os. Sei que ele não gostaria de mostrar seus pés aqui”.

Imediatamente me lembrei de um episódio em que a terapeuta me pediu para colocar no papel características que desejo encontrar em meu namorado e, na coluna ao lado, aquelas que não se encaixavam no perfil da pessoa que busco. Ela se referia a um futuro namorado, pois havia terminado um relacionamento naquele período. A terapeuta achava que eu precisava entender o que procuro e, como escrever costuma clarear minha mente, tentou usar esse método.
Achei racional demais na época. Fazer uma relação das características que espero que uma pessoa tenha? Sair por aí classificando se alguém possui ou não um item da minha lista particular de características desejadas não me parecia agradável. Nada feito. Deixei a lista de lado e com ela a organização das ideias a respeito do assunto.
E então a frase de Thérèse ficou em minha cabeça por dias, fazendo-me refletir sobre aquele momento da terapia.

Sei que ele não gostaria de mostrar seus pés aqui.”
Uma frase carregada de amor. De zelo. De afeto. De conhecimento e entendimento do outro. De compreensão do desejo do ser amado. Uma frase com ação. Ação de estabelecer o conforto. De respeitar a vontade. De manter a cumplicidade até o fim.
Tão singelas quanto o ato de cobrir os pés, as poucas palavras me mostraram que já encontrei o que buscava. Há muito tempo.