segunda-feira, maio 21, 2007

VERDADE*



A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar meia pessoa de cada vez. Assim não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil. E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta. Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos. Era dividida em metades diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma das duas era totalmente bela. E carecia optar. Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
*Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, maio 07, 2007

RECADO DO LAGO*


Sou um lago que reflete o azul do céu, embora não seja o céu.
Mesmo sendo lago, tenho o sol em meu espelho, tenho as nuvens em minha superfície, tenho a lua e as estrelas me adornando.
Vou mudando de forma, continuamente, a depender da estação do ano. Posso tornar-me menor ou maior, mais calmo ou mais movimentado, mais cristalino ou com águas mais turvas.
O mais importante é a riqueza que guardo em meu interior, os peixes que abrigo e a vida que habita ao meu redor, as flores que permito existir às minhas margens e as aves que vêm se encontrar e brincar com minhas águas.

Nunca serei o mesmo e sempre serei eu mesmo.

Não temo a mudança - eu a abençôo.
E quando, mais tarde, deixar definitivamente de ser lago, minha água habitará o oceano ou o mais profundo veio da terra; meu leito será, talvez, uma floresta; e minha memória estará eternizada em todos os que se beneficiaram com meu ser inconstante.

*Texto extraído do livro Mudando para melhor - programação neurolingüistica e espiritualidade, de Kau Mascarenhas, Altos Planos Editora .