domingo, dezembro 04, 2011

DO QUE SÃO FEITAS AS LEMBRANÇAS

Voltando da escola um dia, dei cara com um gatinho abandonado no terreno em frente a minha casa.
Eu tinha uns 6 anos e achava que poderia salvar todos os animais necessitados que encontrava pela frente. 
O coitado estava tão esfomeado, que seu grito de socorro já soava fraco, ao invés de pidão e carente. Peguei o bichinho e levei para casa.
Não me lembro as artimanhas que tive de fazer para mamãe autorizar a entrada do filhote, mas lembro-me de seus esforços em me ajudar a cuidar dele. Dei comida, banho, arrumei agasalho e uma boa cama. Eu tinha certeza que meus cuidados renderiam muitos anos de vida.
Passei dias alimentando o afeto pelo gato; ele melhorou, ficou saltitante e saudável. Tinha cumprido minha missão de ser útil e salvar o bichinho. 
De repente chego em casa e aconteceu uma tragédia, recebo a notícia de que ele morreu. Tristeza geral, eu não entendia como podia ter desandado a melhora. 
Enterrei o coitado no mesmo local que havia encontrado, após uma cerimônia longa e digna, com uma amiga compadecendo do sofrimento. 
Passei tempos sentida com a perda do bichinho e frustrada com a incapacidade de cuidar dele. E passei a não gostar de gatos. Nunca mais quis ter um, eles não possuem 7 vidas e morrem sem explicação.


Minha mãe diz que o gato não viveu dias e sim horas.
"Ele estava faminto, doente, quase sem pêlos. Você ficou tão comovida com a situação, que seria impossível te impedir de cuidar dele. E eu também sabia que se a gente não fizesse algo, era certo que ele morreria.
Então você cuidou do gato, fez tudo que podia. Ele deu uma animada, parecia que estava respondendo aos cuidados, mas logo morreu, na mesma noite. Cada hora que ele viveu, parecia um dia para você. O tempo para crianças é diferente."




Na infância é difícil escolher quais lembranças guardar, o que valorizar mais e como temporizar corretamente. Horas parecem dias e as emoções são mais intensas. 
Depois que a gente cresce, dá para enxergar outras interpretações dos acontecimentos e selecionar o que é importante ser lembrado. Bom mesmo é quando a gente entende que as alegrias e tristezas podem ter o peso que a gente quer que tenham em nossas vidas.

6 comentários:

Rapha Vieira ou um dos seus alteregos disse...

Nossa!! Dá pra pensar tanto sobre esse texto que eu fico até meio sem graça de comentar...

Beijos!!

Natália disse...

Rapha, deixa disso! :)
hehehe

Unknown disse...

Hahaha... Li o texto uma vez, Natália e não comentei porque fiquei algum tempo pensando... aí vi aqui o comentário do Rapha agora. Pronto! Era isso! Um texto pra pensar!

Estou adorando o blog novo!

Laura Martins disse...

Nat, que lindeza!

Amei especialmente a frase: "Passei tempos sentida com a perda do bichinho e frustrada com a incapacidade de cuidar dele. E passei a não gostar de gatos. Nunca mais quis ter um, eles não possuem 7 vidas e morrem sem explicação."

Sabe, Nat, eu também passei tempos sentida e frustrada com a perda de diversas pessoas... E também com minha incapacidade de cuidar de algumas delas, e com minha incapacidade de cuidar de mim mesma. Por causa disso, passei anos com sérias dificuldades de amar. Afinal, as pessoas morrem - ou partem! - sem explicação. E nós também! Nenhum de nós tem 7 vidas.

As explicações de sua mãe são muito pertinentes. E elas servem para mim também! Hoje, sei que ainda que as pessoas morram, ou partam, viver um só instante significativo ao lado delas já vale a pena!

Obrigada, meu bem, pelo texto.

Grande beijo,

Laurinha

Natália disse...

Pri, obrigada pela visita e comentário =)

Laurinha,
a frase que você destaca do texto, também foi a mais marcante de escrever.
Obrigada por compartilhar sua vivência e aprendizado a respeito do assunto.
Abraços

Unknown disse...

Poxa Nat lindo o texto, a sua decepção e humildade pra admitir o porquê de ter se "revoltado" com os gatos!

Beijos